quarta-feira, 5 de abril de 2006

O Raciocínio do Treino está no Jogo

Como deve ser o treino de futsal?
E aqui me refiro ao treino de quem se especializa no esporte. Para definir o treino, basta olhar para o jogo. Quanto mais o técnico entender o jogo mais saberá o que se deve treinar. Por isso que a qualidade do treino e a de jogo de diferentes equipes são distintas. Têm técnicos que sacam o jogo e outros que pouco entendem.Se o jogo define o treino, o jogador, no treino, deve confrontar-se com as vicissitudes do jogo. Dito isto, como é o jogo de futsal? Diria, minimamente, que veloz, de intensa marcação, de repetidos deslocamentos sem a bola, de passes acelerados, de constante perda e recuperação da posse de bola, de momentos de superioridade e inferioridade numérica, de muita bola parada. Como deve ser o treino? Por aí.A essa altura do texto, está tudo certo, mas nada resolvido. Como transformar a leitura que se faz do jogo em treino? Por exemplo, se o jogo exige o passe acelerado, bastaria que o técnico propusesse que os atletas, de frente um para o outro, trocassem passes cada vez mais rápidos? Nada disso. Por que? Porque este passe, ainda que acelerado, não é freqüente no jogo. No jogo, exige-se o passe com os jogadores em movimento. Então, bastaria ao técnico proporcionar a mesma atividade, mas fazendo os atletas se deslocarem na quadra? Não, ainda que melhor. A negativa é devido ao fato de no jogo, além de o passe ser com o jogador em movimento, há, em geral, a presença do adversário. Logo, o passe, no treino, deve ser acelerado, com os jogadores em movimento e na presença do adversário? Sim. Houve um avanço, mas não o suficiente. Falta acrescentar ainda (a) os deslocamentos sem bola, que proporcionarão o passe, (b) a superioridade e a inferioridade numérica, que exigirão do jogador uma tomada de decisão ainda mais elaborada (c) o objetivo de manter a posse de bola o suficiente para mais bem elaborar o ataque e (d) o objetivo de converter o ataque elaborado numa finalização.Penso que o leitor, como eu nesse momento, visualiza o seu treino: veloz, intenso, passes acelerados, balanços, perda da posse da bola, recuperação da mesma, finalizações... Está-se, enfim, no treino, jogando o jogo. Está-se, conseqüentemente, no caminho certo. A meu ver, grande parte do treino deve seguir esse viés. Apenas porque essa é a linguagem do jogo.De outro lado, não dá para resumir os treinos à reprodução de jogos. Jogar por jogar, ainda que mais eficaz do que executar exercícios, não é o horizonte. O técnico deve selecionar para o treino os jogos que, efetivamente, tenham uma relação com o jogo de ataque, de defesa e de contra-ataque da sua equipe. Não pode ser apenas intenso e veloz, com a presença do adversário, com superioridade, igualdade ou inferioridade numérica e com objetivo de fazer gols. Deve exigir uma demanda tática. E essa exigência deve ser compreendida por todos.Daí a minha crítica à reprodução de treinos. Não é porque fulano faz assim, que se deve copiá-lo. Não é o jogo pelo jogo! Talvez, para determinado técnico, a seleção de um treino é proposital, adequada, compreendida e atende uma demanda da sua equipe. Diferentemente o é para um outro treinador que, sem refletir, aplica-o na sua equipe. Ignorar a relação do que a sua equipe precisa, de fato, treinar e o que se selecionou para o treino é perigosa. O treino não pode ser apenas divertido a fim de atrair o interesse do jogador. Deve, ao contrário, apresentar uma relação estreita com o que se precisa treinar. Jogar sim, porque o jogo assim exige, mas jogar para quê?Treinando o jogo o treinador cria o ambiente para que se construa o jogador inteligente. Jogador inteligente não é o que sabe executar tarefas, mas o que se adapta a novidades. Ser inteligente é se adaptar a situações novas. Não fui eu quem disse isso, mas Jean Piaget. Portanto, o treino deve prever situações interessantes, possíveis e novas. Para o técnico, ser idiossincrático não é problema. O problema é ser absolutista.Quando o técnico apresenta uma novidade, o que o jogador sabe, a sua experiência de vida, talvez, não dê conta. Aí está o ponto: o estímulo deve ser de tal forma que desperte o interesse do jogador. Se isso acontecer, ele procurará resolver o problema. É isso que o fará mais inteligente: a sua procura em dar conta, a sua busca em resolver o problema. Nada parecido com repetir tarefas que já se sabe de cor e salteado, ou fazer por fazer, sem tomar consciência. A competência para resolver os problemas do jogo, que é o que todo o treinador de futsal espera dos seus jogadores, é construída ou destruída no treino. Por extensão, a atitude inteligente é alcançada no treino.Para concluir: o raciocínio do treino está no jogo. É possível, portanto, que o treino transforme o jogo para pior ou para melhor. Para pior, se o treino não for uma extensão do jogo, pois jogar será sempre um sofrimento. Será a prova da falta de competência do técnico em compreender o jogo. Para melhor, se o treino for o jogo. Se, no treino, houver uma compreensão do que se faz, será possível, inclusive, e esse deve ser o horizonte do treinador, transformar o jogo. Transgredi-lo. É o que acontece nas melhores equipes: os técnicos as treinam para que, no jogo, façam coisas diferentes. Esses treinadores transgridem o jogo, vão além. Ditam uma nova forma de pensar e de agir. Estarão, sempre, à frente dos demais.
Wilton Carlos de Santana
Mestre em Pedagogia do Movimento
Doutorando em Educação Física

Vitor Paquete

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